- Dr. Alexandre Naime Barbosa
Descaso com vacinação faz doenças ressurgirem

Entrevista ao Jornal Diário da Serra de Botucatu/SP em 11/10/2015
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Segundo dados do Ministério da Saúde, a incidência de coqueluche aumentou 10 vezes em apenas três anos, casos de caxumba têm se tornado mais frequentes em Estados como São Paulo e Rio e um surto de sarampo acaba de atingir o Nordeste - o Brasil estava há 12 anos livre da transmissão interna do vírus. O ressurgimento de doenças contagiosas que estavam praticamente erradicadas do país vem preocupando médicos e autoridades sanitárias. O descaso com a vacinação é um dos principais fatores para este cenário. Muitas vezes, as vacinas são aplicadas em mais de uma dose e a população não retorna à unidade de saúde para tomar todas as doses necessárias, sendo assim a proteção não é efetiva.
O médico infectologista, Dr. Alexandre Naime Barbosa da FMB/Unesp, afirma que o risco do reaparecimento de doenças que haviam sido controladas por vacinação existe sim no Brasil, e ele é decorrente de dois fatores: falhas na cobertura vacinal e grupos anti-vacina. “Para que uma doença imunoprevenível seja controlada em uma população, não é preciso que 100% das pessoas necessariamente estejam vacinadas, basta que uma grande parcela receba a imunização que todo o grupo estará protegido. Esse efeito é conhecido como imunidade de rebanho. Porém, quando uma parcela significativa da população não recebe a vacina, por questões de campanhas ineficazes, ou problemas financeiros, o percentual de pessoas protegidas cai muito, e o patógeno circula com mais força, causando um grande número de casos da doença”, explica. Dr. Alexandre Barbosa ressalta que a falha na cobertura vacinal foi uma das causas do surto de sarampo registrado no Nordeste do Brasil. “O surto no Nordeste também está relacionado com o contato com pessoas do exterior”, frisa.
Com facilidade de acesso e compartilhamento das informações a propagação de boatos e falsas notícias científicas aumentou muito nos últimos anos, o que estimula a formação de grupos anti-vacinas. “De tempos em tempos, novas manchetes sensacionalistas relacionam vacinas à efeitos colaterais, e causam ondas de campanhas contra-vacinas. O exemplo mais famoso foi uma pesquisa publicada em 1998, que relacionava a vacina tríplice (sarampo, rubéola e coqueluche) ao autismo, causando enorme alarde em diversos países. Como resultado, muitos pais não permitiram a vacinação de seus filhos, e houve uma epidemia de coqueluche na Europa, com milhares de casos registrados e muitas mortes. Posteriormente, foi provado que autor da pesquisa fraudou os dados clínicos do estudo, tendo sido cassado seu diploma de médico, e banido da comunidade científica. Infelizmente essas ondas anti-vacina tem ganho adeptos, principalmente nos EUA e em países da Europa, e em menor grau também no Brasil”, afirma Dr. Alexandre Naime Barbosa.
Quando temos a sensação de controle, de segurança geralmente descuidamos de alguns cuidados básicos e com a saúde não é diferente. “É natural do ser humano relaxar os cuidados com prevenção quando uma potencial situação de risco parece estar controlada. Isso explica a falta de percepção de risco que muitos pais demonstram ao não se preocuparem em deixar a carteira de vacinação de seus filhos em dia”, salienta.
De todas as doenças que estão ressurgindo nos últimos anos, como a coqueluche, sarampo, caxumba, a mais perigosa é o sarampo, como explica o médico infectologista Dr. Alexandre. “Dentre essas doenças, a mais perigosa é o sarampo, porque é uma das patologias infecciosas mais facilmente trasmissíveis, e pode levar à quadros de infecção generalizada, causando pneumonias e outros acometimentos, potencialmente fatais. Todas essas doenças são síndromes febris, podendo cursar com os mais variados sintomas. O diagnóstico depende de avaliação médica detalhada, e de exames laboratoriais”, afirma.
Outra doença que estava praticamente erradicada, mas que ressurgiu nos Estados Unidos e Europa é a poliomielite. “Ela também reapareceu por conta da onda anti-vacinação. Essa infecção que atinge o sistema nervoso central pode ser fatal, e deixa graves sequelas motoras. O Brasil erradicou a Polio no começo da década de 90, mas temos que ficar alerta, pois epidemias da doença acontecem no exterior, e se não houver cobertura vacinal adequada, ela pode ressurgir por aqui”, alerta.

Mas, a vacina é segura?
Sempre que é acrescentada alguma vacina no calendário vacinal, muitos boatos e conversas surgem à respeito da eficácia e benefícios das vacinas. Quem nunca ouviu que a vacina contra a gripe é para matar os idosos mais rápido? Que a vacina contra o HPV estimula as meninas a praticarem sexo mais cedo? O médico infectologista Dr. Alexandre Naime Barbosa ressalta que vivemos numa sociedade democrática, onde cada um tem direito de opinião e livre arbítrio.
“Mas também vivemos em um mundo em que diversas teorias da conspiração circulam. Tem gente que acredita que Elvis não morreu, que a Nasa esconde alienígenas da opinião pública, que o homem não chegou na Lua, que não se pode tomar leite com manga ou lavar o cabelo quando se está menstruada. E tem gente que acredita que as vacinas foram criadas para gerar lucro para a indústria farmacêutica ou para que o governo controle a população. Ao contrário dos anteriores, esses últimos causam danos não somente para si próprios e para seus filhos, mas também à coletividade, pois a falta de vacinação faz com que os patógenos circulem com maior força em uma população, vitimizando quem não tem nada a ver com isso”, afirma.
Para que uma vacina seja disponibilizada no mercado, ela passa pelos mesmos passos científicos que outras medicações. São feitas três etapas de testes para assegurar inicialmente a segurança, e posteriormente a proteção (eficácia). Após os estudos serem concluídos, as agências regulatórias (FDA nos EUA e Anvisa no Brasil) analisam todos esses resultados antes que as vacinas sejam autorizadas para comercialização. “E para a implantação no SUS, o Ministério da Saúde ainda avalia a custo-efetividade para o país. Todo esse processo muitas vezes é superior a 10 anos de intensos estudos e dedicação de toda a vida de trabalho de milhares de cientistas”, salienta Dr. Alexandre Barbosa.
Porém, o médico infectologista ressalta que toda medicação tem seu possível efeito colateral. As vacinas, de modo geral, tem baixa taxa de eventos adversos, e quando eles existem se limitam a reações dermatológicas no local da aplicação, ou febre de baixa intensidade nos dias subsequentes, demonstrando ativação do sistema imune em relação aos componentes imunogênicos. “Casos comprovados de reações graves ou fatais existem, mas são raríssimos quando analisado as milhões de pessoas imunizadas. Nesse sentido, o aperfeiçoamento de muitas vacinas tem como objetivo eliminar esse risco”, explica.
As vacinas são seguras e trazem muitos benefícios a saúde da população de uma forma geral. Segundo o Dr. Alexandre Naime Barbosa são raros os casos de contra-indicação de vacinas, devido ao alto grau de proteção, e baixíssima taxa de eventos adversos. “Em crianças que estão durante o calendário vacinal, se houver dúvidas sobre fazer ou não a vacinação em determinadas situações como febre ou resfriado, a recomendação é ir até a unidade de saúde onde os profissionais poderão avaliar se é ou não possível a vacinação, à depender da vacina a ser aplicada. Em adultos que tenham doenças imunossupressoras, como a infecção pelo HIV/Aids, o uso de vacinas com patógenos atenuados deve ser avaliada com cuidado”, afirma.

Alguns números da OMS
Segundo o médico infectologista Dr. Alexandre Naime Barbosa esse “descaso” com a vacinação nos últimos anos também pode ser explicado por conta das novas gerações não terem conhecimento de como essas doenças vitimizaram e levaram a óbito milhões de pessoas no século passado.
“Não há na história da ciência e da medicina ação que tenham obtido maior sucesso em termos de salvar vidas do que a vacinação contra doenças infecciosas. Por ano, cerca de 2 a 3 milhões de mortes são evitadas pela imunização em todo o mundo, e se todas as populações tivessem mais acesso às vacinas, mais 2 milhões de vidas poderiam ser salvas anualmente, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)”, afirma.