- Dr. Alexandre Naime Barbosa
Diário de bordo: Médico faz relato sobre experiência de 7 dias no sertão do Piauí

Entrevista para o Jornal S@úde.com em 13/Dez/2016
01 de Novembro de 2016. Primeiro dia de férias, malas prontas chegando ao Aeroporto de Guarulhos para encontrar a turma e pegar o voo. Mas essa não era uma viagem comum de lazer ou descanso. O destino era o Sertão do Piauí, uma das regiões mais pobres e com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. O grupo era formado por médicos, profissionais de saúde e outros voluntários que estavam doando o tempo de suas férias para um objetivo nobre: levar atendimento médico para pessoas totalmente excluídas da atenção básica em saúde. Essa era nossa missão nos próximos sete dias. Vindas de diversos aeroportos do Brasil, 23 pessoas formaram o time que se encontrou em Petrolina (PE) no final do dia. De lá, em veículos especiais, rumamos para nosso primeiro destino no Sertão: Serra do Inácio, no município de Betânia do Piauí.
Chegamos na madrugada do dia 02 de novembro, em uma pequena escola pública perdida na imensidão da caatinga nordestina. Como viajamos à noite, somente com o raiar do sol pudemos perceber o que nos cercava. Um verdadeiro deserto, com vegetação seca e retorcida, sem o menor sinal de água. Dormimos algumas horas em colchonetes nas salas de aulas, e sem banho, pois a água que levamos era apenas para beber e cozinhar. Ao acordar, a população da Serra do Inácio já fazia fila. Organizamos consultórios improvisados, e começamos a atender.
Criamos salas de Clínica Geral, Pediatria, Procedimentos Cirúrgicos, Oftalmologia (com montagem e entrega de óculos personalizados em tempo real), Odontologia, Fisioterapia e Farmácia. As queixas mais comuns eram de doenças básicas, como diabetes, hipertensão, verminoses, diarreias, lombalgias, infecções de pele e dor de cabeça. Levamos centenas de caixas de medicações, e pudemos orientar e tratar mais de 200 pessoas nesse primeiro dia.
O segundo dia
No segundo dia de atendimento, fui fazer algumas visitas domiciliares pelo Sertão e pude ver a miséria na sua forma mais absoluta. Não há empregos e a única forma de renda das pessoas é a Bolsa Família, sendo que alguns não têm nem esse benefício por problemas de documentação ou burocracia. Não existe água encanada ou esgoto. A maioria das casas é abastecida por cisternas, enchidas com água contaminada vinda de açudes longínquos e frequentados por porcos e cabras. Algumas casas são de barro (pau a pique) e não têm nem cisterna. Não é de se surpreender o alto índice de doenças como diarreia e verminoses. Mas o que mais me chocou foi a miséria, plena e absoluta. Em muitas casas não havia nada para se comer, e a fome vingava por dias. A depressão e o suicídio são uma realidade frequente no local.
As mesmas demandas e a mesma gratidão
Após dois dias na Serra do Inácio, atendemos também em Bate-Maré, no município de Paulistana, por dois dias, e em Acauã por três dias. Nesses lugares encontramos a mesma miséria, as mesmas demandas sociais e em saúde. Mas também encontramos a mesma alegria, gratidão e esperança que o povo sertanejo carrega consigo. Como diria Euclides da Cunha: “O Sertanejo é antes de tudo um forte”.
E o que trouxe de mais valioso do Sertão? Entender o valor do pequeno gesto. Por mais pontual e momentâneo que nossa ação tenha sido, por mais que a realidade de miséria e fome continue por lá, pudemos fazer a diferença na vida daquelas pessoas tratando as doenças, cuidando de ferimentos, orientando sobre medidas de prevenção e acolhendo quem mais precisa. O brilho nos olhos e o sorriso no rosto dos sertanejos que atendemos nos dão a garantia de que fizemos a coisa certa e nos impulsiona a voltar em novas missões.
E esse é o time de 23 “super-heróis” que promoveu quase 2.000 atendimentos voluntários e gratuitos para mais de 1.500 pessoas carentes em sete dias de missão em quatro localidades de três municípios do Sertão do Piauí. Um time que permitiu maximizar cada potencial individual graças ao cuidado e ao apoio fraternal e espontâneo que surgiu rapidamente no grupo, mesmo nas situações mais adversas. Centenas de quilômetros rodados, muitas caixas e equipamentos pesados, sol escaldante, calor, poeira... Falta de água e banho por dias se tornaram apenas histórias engraçadas, graças ao foco e à dedicação em dar nosso melhor para a gente tão sofrida e também tão querida do Sertão.
Organização da Missão:
Karina, Víctor e Mariana. Médicos e Estudantes de Medicina: Alexandre, Carol, Talita, Malú, Karina, Siro, Gustavo e Tatiana. Na Farmácia: Fernanda e Pâmela. Na Odontologia: Thiago. Psicólogo: Carlos. Na Fisioterapia: Marlise. No Apoio Geral: Gustavo, Tábata e Rogério. Fotografia, Jornalismo e Cinegrafia: Henrique, Beta, Andrei e Gislene.