Dr. Alexandre Barbosa
Pesquisa sobre Hepatite C ganha Prêmio Nobel e é um dos casos de maior sucesso na Medicina

A Folha de São Paulo entrevista hoje o Prof. Dr. Alexandre Naime Barbosa, Chefe da Infectologia da UNESP e Consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia sobre o Prêmio Nobel de Medicina de 2020, que homenageou os pesquisadores fundamentais na pesquisa sobre Hepatite C.
Leia o trecho abaixo, e na sequencia a matéria completa, e o link original.
"Estima-se que no Brasil há entre 600 mil e 700 mil casos pessoas de Hepatite C, que mata entre 15 mil e 20 mil pessoas por ano, relata Alexandre Naime Barbosa, chefe da infectologia da Unesp e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. “O tratamento está disponível desde 2015, mas depende de encontrar o paciente e tratá-lo”, diz.
“Podemos dizer que esse é um dos maiores casos de sucesso da medicina: em pouco mais de 30 anos fomos da descoberta da doença, passando pela identificação do agente causador, até chegar em um tratamento curativo.
Com um esforço coletivo, tratando todos os infectados, é possível eliminar o vírus da face da Terra até 2030, assim como foi feito para a varíola, já que não há reservatório animal. É só o caso de colocar a ciência acima de questões políticas e ideológicas”, diz Barbosa.
O Nobel de Medicina de 2020 vai para o americano Harvey Alter, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), o britânico Michael Houghton, da Universidade de Alberta, e o também americano Charles Rice, da Universidade Rockefeller, pela descoberta do vírus da hepatite C.
Gunilla Karlsson-Hedestam, membro do Comitê do Nobel, lembrou que há, anualmente 70 milhões de novos casos de hepatites, com 400 mil mortes no mesmo período.
A inflamação do fígado (hepatite) pode acontecer por causa de pelo menos três tipos de vírus, A, B ou C. Em 1976, Baruch S. Blumberg recebeu o mesmo prêmio pela descoberta do vírus da hepatite B. A descoberta de fato aconteceu nos anos 60.
Tanto a hepatite B quanto a C, transmitidas pelo sangue, podem levar décadas para se estabelecer, causando, em última instância, cirrose e câncer de fígado. A descoberta do vírus foi motivada pelo fato de que muitas pessoas que recebiam transfusões de sangue desenvolviam hepatites, mesmo que esse material não fosse contaminado pelo vírus da Hepatite B.
Até então, inflamações do fígado que não eram causadas pelos vírus da hepatite A ou B eram tratadas como hepatite “não A, não B”. Ainda não estava bem estabelecido qual seria o agente responsável. O trabalho de Harvey Alter envolveu uma extensa pesquisa em bancos de sangue a fim de identificar o agente responsável por esses casos de hepatite.
Seus trabalhos, desenvolvidos na década de 1970, envolveram o transplante de sangue em chimpanzés a fim de demonstrar que algum agente ali presente era o responsável pelo desenvolvimento da doença crônica. Michael Houghton liderou uma colaboração entre o laboratório Chiron e os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA responsável por isolar o material genético do vírus da Hepatite C.
Foi a primeira vez que esse tipo de técnica foi utilizada, de acordo com o comitê do Nobel. Posteriormente, a equipe encontrou meios de identificar a ação do vírus, por meio de anticorpos, em resultados publicados em 1989. Logo esses testes se difundiram, permitindo uma enorme queda na contaminação por transfusão de sangue.
Charles Rice, na época na Universidade de Washington em St Louis, identificou uma região do genoma do vírus da hepatite C responsável pela replicação viral, caracterizando o mecanismo pelo qual ela poderia, de fato, causar a patologia — até então, com o desconhecimento desse mecanismo, o que existia era apenas uma forte correlação entre o genoma viral e a ocorrência da hepatite C. Graças a esse esforço, o vírus da hepatite hoje pode ser rastreado no sangue, e milhões de mortes são evitadas, afirmou Karlsson-Hedestam.
Hoje existem drogas capazes de combater especificamente a hepatite C, aumentando as chances de um dia erradicar a doença. Hoje em dia fármacos antivirais, à base de um ou dois comprimidos por dia, curam mais de 95% das pessoas com hepatite C, o que reduz o risco de risco de mortes por cirrose e câncer de fígado, embora o acesso ao diagnóstico e ao tratamento ainda seja baixo. São um ou dois comprimidos por dia.
“É muito notável a descoberta desse vírus. Durante décadas as pessoas morriam de uma cirrose causada por uma misteriosa hepatite ‘não A não B’.
O prêmio é mais do que justo e, apesar da demora de mais de 30 anos, vem em boa hora, já que agora temos a chance de erradicar a doença”, diz Mario Gonzalez, médico infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e estudioso de hepatites virais.
Estima-se que no Brasil há entre 600 mil e 700 mil casos pessoas de hepatite C, que mata entre 15 mil e 20 mil pessoas por ano, relata Alexandre Naime Barbosa, chefe da infectologia da Unesp e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. “O tratamento está disponível desde 2015, mas depende de encontrar o paciente e tratá-lo”, diz.
“A gente pode dizer que esse é um dos maiores casos de sucesso da medicina: em pouco mais de 30 anos fomos da descoberta da doença, passando pela identificação do agente causador, até chegar em um tratamento curativo.
Com um esforço coletivo, tratando todos os infectados, é possível eliminar o vírus da face da Terra até 2030, assim como foi feito para a varíola, já que não há reservatório animal. É só o caso de colocar a ciência acima de questões políticas e ideológicas”, diz Barbosa.
O tratamento para a hepatite C leva 12 semanas e está disponível no sistema público. O grande desafio, afirma Gonzalez, é localizar os eventuais infectados, já que a infecção costuma evoluir silenciosamente.
Em estágios mais avançados é que surgem sintomas como ascite (barriga inchada), icterícia (pele e olhos amarelados) e sangramentos digestivos, causados por varizes de esôfago.
Segundo o médico, todos aqueles que passaram por grandes cirurgias há mais de 20 anos, que receberam transfusão de sangue antes de 1995, que esteve encarcerado ou tem histórico de uso de drogas injetáveis deve fazer o teste para para saber se tem a doença.
Link original: https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2020/10/cientistas-ganham-nobel-de-medicina-pela-descoberta-do-virus-da-hepatite-c.shtml